Cartas do Submundo #03
Precisamos falar sobre O Perigo de Estar Lúcida e sobre eu ter sido uma criança problemática pra dentro
Eu tenho visto vários textos sobre ele, algumas recomendações, várias pessoas comentando a respeito pelo Substack, muita gente iniciando a leitura por agora, então vou aproveitar essa onda pra deixar aqui o registro da minha experiência com esse livro e sobre o que ele me fez refletir.
Comecei no final de janeiro e fui avançando aos poucos, absorvendo sem pressa porque é um livro com muitas informações, e eu fui muito impactada por ele. Li aos poucos para absorver lentamente esse impacto. Arrisco dizer que entrou para a minha lista de favoritos e é um daqueles que eu acho que todo artista deveria ler, mesmo que o texto seja focado em escritores, acredito que todo artista compartilha um pouco das angústias, vivências e sentimentos que a Rosa Montero traz para o leitor.
Publicado em 2023, O Perigo de Estar Lúcida traz uma mistura de histórias, fatos biográficos, relatos pessoais e dados científicos que relacionam intimamente a loucura e o desequilíbrio mental com a criatividade e o fazer artístico, e traz em sua narrativa o foco para quem faz arte escrita.
Originalmente esse texto era algo entre um registro do meu diário de leituras e meu diário pessoal, mas resolvi dar uma recauchutada e transformar em uma edição especial — e aberta! — das minhas Cartas do Submundo.
Terminei O Perigo de Estar Lúcida, da Rosa Montero. Estou impactada e meio sem palavras pra esse livro. Me fez pensar em tanta coisa, perceber tanta coisa e, principalmente, foi bizarro me identificar com tantas das coisas que a Rosa falou sobre mentes perturbadas e criativas, eu me vi ali em diversas páginas, me vi criança, me vi adolescente me vi adulta.
Me lembrei principalmente de um episódio da minha infância, eu era uma criança com muita dificuldade em me comunicar, cheguei a passar com diversos psicólogos por insistência da minha mãe, mas como dar seguimento no tratamento de uma paciente que não se abre? De um lado, ela muito preocupada com o meu desenvolvimento e bem estar depois da separação com meu pai e o bullying que eu sofria na escola, do outro eu, sem entender nada dos meus próprios sentimentos e muito menos sem saber como expressá-los. No meio disso, um profissional de saúde mental sem saber como me abordar. Essa era o drama: uma criança que no geral não dava trabalho, ia bem na escola e não se metia em confusão, mas muito problemática por dentro com uma recusa sólida em se abrir. Me lembro muito vagamente dessa época.
Durante um período, todas as coisas que me magoavam eu escrevia em papéis, como cartas e desabafos, e guardava dentro de uma caixa de bombons. Alguns tinham coisinhas e chateações bobas, em outros haviam coisas realmente pesadas e em vários deles eu me lembro de ter desejado a morte. Um dia minha mãe achou essa caixa e veio falar comigo, não lembro se em um tom de preocupação ou se em um tom de briga, talvez algo entre os dois. Conversamos, jogamos a caixa fora juntas e eu me lamentei um pouco de ter perdido meus textos e desabafos. Talvez eu tivesse uns oito anos.
É a primeira vez que eu me recordo de ter escrito pra expressar coisas que eu não conseguiria de outra forma. Minha memória mais antiga de buscar um refúgio da vida dentro da escrita.
Eu me pergunto se eu não tivesse sido essa criança meio deprimida e ansiosa, um pouco excluída e constantemente me sentindo incompreendida até mesmo por profissionais (e eu frequentei alguns), se eu escreveria tanto. Lendo O Perigo de Estar Lúcida, cheguei à conclusão de que provavelmente não. Ter sido (e ainda ser) um pouco quebrada foi essencial para dar voz ao meu eu escritor.
Curiosidade:
O nome dado filha da Mortiça Addams, a Wandinha ou Wednesday (quarta-feira) no original em inglês, não foi por ter nascido numa quarta feira, não senhor, ela nasceu em uma sexta feira 13. Esse nome foi por causa de uma cantiga popular antiga que, numa brincadeira de rimas, confere algumas características às crianças dependendo do dia da semana que nasceram. No texto, de 1830 e alguma coisa, a criança da quarta feira era cheia de aflições:
“Monday's child is fair of face,
Tuesday's child is full of grace.
Wednesday's child is full of woe,
Thursday's child has far to go.
Friday's child is loving and giving,
Saturday's child works hard for a living.
But the child that is born on Sabbath day,
Is bonny and blithe, good and gay.”
Tradução:
“A criança da segunda-feira é bonita
A criança da terça-feira é cheia de graça
A criança da quarta-feira é cheia de aflições
A criança da quinta-feira vai longe
A criança da sexta-feira é amável e generosa
A criança do sábado trabalha duro para viver
E a criança nascida no dia do sabá (domingo) É bonita e alegre, boa e feliz”
Talvez se eu não tivesse nascido numa quarta-feira, eu não escreveria tanto.
meu deus acabei de descobrir que nasci numa quarta-feira e to aqui rindo de nervoso kkkkkk valeu pela edição!!