Cartas do Submundo #05
Sobre filtrar demais a nossa vida e porque o desconforto é necessário.
Essa é uma edição aberta das Cartas do Submundo, um espaço reservado aos assinantes pagos dessa newsletter onde compartilho um pouco das minhas reflexões e impressões cotidianas, meus processos com a escrita, rascunhos e muito mais através de trechos do meu diário. Considere apoiar financeiramente essa publicação <3
A gente precisa viver o que a gente precisa viver, não só o que a gente quer viver.
Eu estava escrevendo uma mandala astrológica para uma consulente e um dos conselhos que saiu nas cartas me deixou assim….. impactada. Era um conselho para a área de relacionamentos, mas analisando bem é um padrão que pode se aplicar a uma vida inteira.
Eu virei a carta da Sacerdotisa acompanhada de um Ás de Ouros e um Rei de Ouros. As duas cartas de naipe indicavam caminhos abertos e favoráveis, até mostravam um possível pretendente para ela, uma oportunidade no caminho, mas a Sacerdotisa nos indicava que ela não estava apta para trilhar esses caminhos. É uma carta de energia fechada e reclusa, frígida para relacionamentos. Para uma análise mais detalhada, puxei outra carta, um Sete de Copas, tentando entender o porquê disso. E ela vivia tão presa nas próprias idealizações e expectativas que era incapaz de desfrutar de algo real quando acontecia porque inconscientemente, ela rejeitava tudo o que não dançasse conforme a música do cenário romântico perfeito que ela havia instalado na cabeça dela.
Ou seja, ela deixava de viver coisas incríveis só porque não se apresentavam para ela da forma que ela esperava.
E ela perdia tanta coisa com isso. Ao se fechar numa bolha, estava se privando de passar por situações desconfortáveis, porém necessárias para o seu amadurecimento. Deixando de desfrutar conexões incríveis por serem passageiras, abrindo mão assim de conhecer uma nova forma de se relacionar, de vivenciar uma experiência a dois inédita, porque cada conexão é única. Abria mão de viver coisas que poderiam se metamorfosear e se desenvolver ao longo do caminho, porque nada se apresenta na sua versão final logo de cara. É preciso passar por um processo que muitas vezes começa incerto e distante do que foi idealizado para se chegar onde é preciso estar. E aí está o pulo do gato: muitas vezes o que a gente quer não é o que a gente precisa, e a vida tem dessas coisas de nos levar por percursos desconhecidos contra nossa vontade porque é onde precisamos estar e só vamos entender isso lá na frente.
É natural não querer sofrer, ninguém gosta de ficar pra baixo ou triste por alguma coisa, mas toda vez que a gente quebra a cara, a gente aprende alguma coisa. É o que forma caráter, o que nos dá maturidade, firmeza e repertório para lidar com futuras intempéries, o que nos molda e prepara para receber melhor as coisas boas que estão por vir. É preciso calejar se um dia quisermos que as coisas parem de doer tanto. É preciso tentar e falhar se um dia quisermos que dê certo.
Se trancar em uma redoma e só se abrir para as experiências que você quer te torna pequena e limitada. É muito confortável, claro, mas não é na zona de conforto que se cresce e evolui. Black Alien disse uma vez que a “Zona de conforto é o lugar aonde os sonhos morrem”, porque é na dificuldade onde aprendemos, é no conflito que nos desenvolvemos, no desconforto que engrandecemos e, principalmente, onde descobrimos do que somos capazes de fazer para sair de uma situação.
A vida muitas vezes vai nos colocar em posições desconfortáveis para que, ao romper com esse ciclo, nós possamos ser mais fortes do que antes. Infelizmente nem tudo dá pra ser flores e alegria, muitos conhecimentos precisamos adquirir na marra.
E também nem sempre é bom conseguir o que se quer. Muitas vezes pode ser castigo.
Quando estamos desejando, estamos idealizando como vai ser quando conseguirmos, o que vai acontecer, como vamos nos sentir… só que na prática as chances de tudo sair conforme nossa imaginação nos mostrou são mínimas, e as chances de frustrar são máximas. As conquistas podem ter um sabor amargo quando nos perdemos nas comparações com o que havíamos idealizado. Aquela coisa lá que Schopenhauer disse sobre a ânsia de ter e o tédio de possuir.
Vamos viver o que há pra viver, o que dá pra viver.