Pensamentos sobre "Condenação", amor próprio e carpe diem
Uma salada de frutas de reflexões aleatórias.
O texto que eu postei na semana passada, um pequeno conto sobre um cara que encarava seu maior inimigo nos olhos pela primeira vez [recomendo a leitura - alerta de spoiler nesse texto!], veio de uma reflexão curiosa sobre a minha própria relação comigo mesma, uma relação que hoje foi reinventada. Muitas vezes a minha escrita é inspirada por coisas que não aconteceram comigo, mas que poderiam ter acontecido se as coisas tivessem tomado um outro rumo, e é o caso desse conto, ou pelo menos foi de onde surgiu a semente que deu origem a ele. Hoje, trago algumas reflexões sobre o texto e sobre esse emaranhado de assuntos. Espero que gostem desse formato de papo mais pessoal, reflexões e comentários por aqui.
Você seria capaz de olhar pra dentro de si mesmo sem susto?
Minha relação comigo mesma não foi sempre tão boa e equilibrada como é hoje, eu já perdi muito tempo da minha vida me odiando e lutando contra mim mesma, meus próprios impulsos, sentimentos, pensamentos e impressões e foi assim que desperdicei um tempo precioso, deixei passar oportunidades de desfrutar do conforto da minha própria companhia, me coloquei em situações desagradáveis e idiotas pela companhia de outras pessoas que eu julgava serem mais relevantes que eu, isso tudo sem entender que 1) eu sou a relação mais importante que eu tenho porque só eu convivo comigo mesma do começo ao fim do dia, sou eu quem deito comigo mesma todas as noites, acordo todas as manhãs e estou aqui integralmente para escutar cada pensamento que eu tenho, dos mais aos menos agradáveis.
A coisa 2) é que não faz sentido se esconder das coisas que estão dentro de você. É até perigoso desconhecer as extensões do próprio eu, tudo que você não conhece e não aceita sobre si mesmo vira um arma apontada bem pra sua cara. Naturalmente, hoje em dia eu ainda me debato um pouco contra a minha persona, mas é importante entender que é um processo contínuo e que alguns dias serão melhores do que outros, mas desde que você não se abandone, vai ficar tudo bem.
Pra isso é preciso conhecer, se permitir olhar para as partes feias e sombrias, encarar de frente os seus demônios. E principalmente parar de mentir pra si mesmo. Você já está aí dentro da sua cabeça, já sabe a verdade sobre o que pensa então pra que se enganar? Faz bem se deixar dominar por pensamentos negativos de vez em quando, sobre você e sobre os outros também. Tudo bem se tornar consciente a respeito das coisas ruins, feias, ridículas e absurdas que passam dentro da sua cabeça e, confie em mim, é melhor fazer isso de forma consciente e controlada. É claro que reconhecer não significa que é preciso expressar, nada dispensa filtros, bom senso e algumas papas na língua e nem mesmo seu mais profundo processo de autoconhecimento deve ser desculpa pra ser deselegante com as outras pessoas com quem você convive. É sobre ter o pensamento, admitir que o teve, encará-lo e depois deixá-lo sumir. Quando tentamos nos negar isso, automaticamente cria-se uma obsessão e tudo o que você consegue pensar é “eu não posso pensar nisso, não posso pensar nisso, não posso pensar em tal coisa, não posso…” quando na real só o ato de tentar não pensar a respeito já é pensar a respeito, além de criar uma aura de proibido que sabemos que é tentadora e instigante, que não vai sumir. Pra que perder tempo com isso? Vai fugir pra onde? Tudo vive dentro de você. Se faça um favor e encare de frente, admita a existência de um lado que não é amigável, que é egoísta e cruel as vezes, que sabe ser desagradável sem motivo.
O segredo pra conviver com isso é não se limitar, não se prender àquilo. Deixe ser e deixe ir. Pense mal dos outros sim, julgue o cabelo, as roupas, as atitudes, fale mal do namorado feio da sua amiga, repare naquela senhora que misturou as estampas de tal maneira que parece que se vestiu no escuro, critique pesado aquele colega folgado do trabalho, xingue dentro da sua cabeça, mas mantenha esses pensamentos guardados lá e eles vão se dissipar.
Pense mal de si também, critique seus defeitos, sua pele, sua aparência, suas roupas, suas atitudes, se julgue por um erro cometido há dez anos, se envergonhe daquele dia que você acenou de volta pra um estranho na rua, mas o aceno do estranho na verdade não era pra você, amaldiçoe cada centímetro do seu ser, reconheça tudo que há de errado consigo. Tudo bem, o pensamento já aconteceu e é mais rápido do que você pode controlar, ele já está lá. Depois deixe que se dissipe. Ou escreva tudo num papel e queime. Tendo consciência do que se é, pode-se lapidar isso. E quando a gente abraça nossos defeitos, ninguém consegue usar isso para nos diminuir, então acaba sendo uma vitória dupla: se aceitar e, porque você se aceita, não se deixa diminuir pelo que é e muito menos pelo que os outros pensam que você seja. Somos reféns de tudo o que ignoramos a nosso próprio respeito.
Tem uma mensagem que o arcano do Diabo no tarot nos passa que é: “Quando você está em paz com quem é, aceita ser o vilão na história de quem quer que seja”.
Dê mais atenção ao diabinho no seu ombro. Ele grita mais alto
quando você finge que ignora.
Outra parte do processo é praticar o perdão pelos seus erros. Aqui descobri duas coisas para serem entendidas:
A primeira foi que eu fiz o melhor que eu pude com a cabeça e as condições que eu tinha no momento e é injusto que eu me julgue com os olhos de agora.
A segunda coisa foi que nada vai mudar o que passou e perceber isso é bem libertador.
Muitas vezes nós carregamos uma culpa, um ressentimento tão grande com nós mesmos, nossas ações que geraram arrependimentos, que esquecemos que isso não vai mudar nada e o que passou, passou. Remoer isso nos drena tanto e nos limita de viver o presente, pra acabar se tornando um ciclo vicioso porque continuaremos fazendo isso no futuro. A maior parte do ódio que destinamos a nós mesmos dificilmente vem do agora, geralmente vem de alguma mágoa ou lamentação a respeito do nosso passado, ou uma cobrança em antecipação a erros futuros.
Aqui está outro segredo: entender que só o agora está ao nosso alcance e por isso é nele que devemos focar, para onde devemos nos dedicar, porque é onde conseguimos promover algum impacto. Isso não significa ficar paranoica com suas atitudes de hoje com medo de se arrepender no futuro, mas sim fazer sempre o melhor que puder para ficar com a sua consciência tranquila. Sei que parece meio papo de coach/autoajuda, mas entender isso muda tudo. Sabe aquela expressão em latim, carpe diem? Colha o dia de hoje, aproveite os frutos do hoje e plante o sol para depois.
Além de escrever, eu sou cartomante e eu aprendo muito com as minhas consulentes. Tirar tarot para os outros acaba me agregando muita sabedoria também. Nesse ramo eu estou envolvida com o futuro o tempo todo e muitas pessoas vem até mim carregadas de preocupações com o amanhã e com as outras pessoas. Eu sempre tento, em meio a sessão, aconselhar sobre se preocupar um pouco com o presente também, prestar atenção no aqui e no agora porque tudo o que ela vai viver no futuro está começando no aqui e no agora, nas atitudes de hoje. É algo que todos nós sabemos, ouvimos o tempo todo e são muitos ditados populares a respeito, mas nem sempre entendemos tão a fundo o real significado disso, ou como funciona na prática. Em meio aos chapiscos diários que a vida cotidiana nos proporciona também é um pouco difícil lembrar desse detalhe, ao passo que é bem mais fácil buscar se desvencilhar de carregar esse peso. São muitas coisas que convenientemente nos fazem esquecer isso e, como boa cartomante, é meu dever fazer com que se lembrem.
Sobre o conto, o nosso personagem infelizmente não conseguiu ter a sua redenção. Mal conseguiu ir até o final das suas acusações ao se deparar consigo mesmo na posição de maior antagonismo em sua vida. Não se olhava nos olhos ao acusar, tampouco conseguiu se perdoar. Ele era tão alheio ao seu eu sombrio que por muito tempo se dissociou dele e realmente acreditou se tratar de outra pessoa. Não era capaz de lidar com o auto ódio de um jeito saudável, talvez porque quisesse ser perfeito e imaculado. Era covarde para se olhar de frente, com medo do que encontraria ali. Alguém em total desalinho com seu ser tentando compensar isso com anos de perseguição sem perceber que passou anos também fugindo de si mesmo e a pessoa que mais desejava ter em mãos para obter respostas estava ali o tempo todo. Desconhecer o tamanho dos nossos demônios sempre os torna mais poderosos e assustadores do que precisam ser. Já disse que somos reféns de tudo o que não sabemos.
Cada um de nós é um intrincado labirinto de decisões, atitudes e escolhas do qual passamos a vida toda tentando escapar, sem entender que a única maneira de se livrar do labirinto é chegar ao centro.
Encerro esse texto com uma poesia:
ser nu e cru
é saber decepcionar
com a classe de quem
não tem mais nada pra dar
e é acatar o que quer
que volte pra você.quando eu só tinha
a realidade pra oferecer
e não pude alimentar
nenhuma fantasia,
fetiche ou ilusão
foi foda o jeito que tudo
parecia se desfazer
sob o toque da minha mão.e não faltou sermão!
meas culpas, absurdas desculpas
e remendos infinitos
pra tapar os buracos
nesse trapo, outrora tecido
que eu costuro à mão
por falta de opção
e, quase sempre, em vão.até que eu pude perceber:
o que resta é se ater
ao que é verdade,
o que é palpável.no fim, tudo foi ensaio
encerrado num abraço
das coisas como
elas são de fato
sem floreios,
nem rodeios,
apenas vamos
nos ater aos fatos,
consumir o que é servido
e não se fala mais nisso.sou o que sou,
abraço meus cacos
e, ciente disso,
contra mim mesmo
eu não posso ser usado.
Poema presente no meu livro O Mundo Por Trás dos Vulcões, em pré-venda a partir de 18 de setembro.
Espero que eu esteja ficando boa nesse negócio de newsletter <3 até a próxima quarta feira õ/ me conte todos os seus pensamentos