Nesse último sábado, 24 de agosto, Paulo Leminski celebraria seu aniversário de 80 anos. Em homenagem à sua vida dedicada à poesia, ao seu legado que é inspiração para centenas de poetas contemporâneos, trouxe algumas reflexões e impressões pessoais minhas sobre o fazer poético. Evoé, Leminski!
Fausto Wolff escreveu:
“Sempre acreditei que a poesia nasce de um desejo súbito; uma visão momentânea que capturamos e, se possível, transferimos para o papel. Por isso mesmo - pela sua inerente liberdade - [...] o poema deveria ter a oportunidade de um destino próprio. [...] Certas coisas, como a eternidade do piscar de olhos de uma lagartixa ou a efemeridade de uma galáxia, só podem ser ditas em forma de verso.”
Desde a coisa mais pequena até o mais grandioso fenômeno, tudo vira poesia aos olhos do poeta. A graça é brincar com as palavras pra narrar, refletir ou demonstrar algo para o leitor de um jeito único. É pegar aqueles sentimentos, pensamentos e visões e lapidar até que dali nasça um poema, uma obra em geral pequena, mas carregada de significado e esculpida com cuidado naquele formato que chega aos nossos olhos. É uma estética que acompanha uma ideia, uma história contada com rima e ritmo, pensada para agradar múltiplos sentidos simultaneamente, ou desagradar em uma poesia ácida e crítica, pensada para gerar desconforto. Fazer poesia é moldar as palavras com a intenção de provocar uma sensação.
O escritor tem por objetivo fazer esse trabalho minucioso parecer simples, sem esforço, e por vezes é mesmo. Algumas rimas tendem a surgir de uma forma mais espontânea e, na minha experiência, existem alguns poemas já vêm à mente prontos, nascem praticamente andando e falando por conta própria, mas não há regra alguma nisso, é um processo totalmente não linear e muito divertido quando trilhado despretensiosamente, sem pressa ou pressão.
O verso, portanto, é naturalmente livre e o poeta, caçador ávido dessa criatura selvagem, também o deve ser para que o eu lírico passeie por todas as experiências humanas e sobre-humanas e não seja engaiolado jamais! O poeta que se restringe é um fracasso pois falha em capturar a essência da poesia que é precisamente a liberdade, a espontaneidade. É importante dominar a métrica sem, entretanto, se ancorar à ela. Um poeta que fazia isso com maestria é uma das minhas maiores referências: Paulo Leminski.
Ele conseguia brincar equilibrando a rigidez da poesia concreta com a leveza do seu verso livre, cheio de trocadilhos e jogos de palavras. Leyla Perrone-Moyses o define como um “samurai malandro”, unido a rigidez da poesia concreta representada pelos costumes orientais, junto de uma flexibilidade, uma malandragem tipicamente tropical. Ela afirma que “Leminski ganha a aposta do poema, ora por um golpe de lâmina, ora por um jogo de cintura. Tão rápido que nos pega de surpresa; quando menos se espera, o poema já está ali. E então o golpe ou a ginga que o produziu parece tão simples que é quase um desaforo”.
Aqui temos a definição do próprio sobre o que é a poesia marginal:
Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.
Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha
Percebe-se a influência desse movimento até os dias de hoje e não somente na literatura nacional. Nesse estilo com trocadilhos, rimas simples e pouco apego às convenções clássicas da poesia, valoriza-se a mensagem transmitida enquanto mantém a métrica em segundo plano, sem abrir mão, porém, da estética do poema.
Leminski brinca com as palavras no seu texto, sendo um dos maiores nomes do movimento de poesia marginal dos anos 70, a geração mimeógrafo, onde uma ebulição de poetas e autores independentes surgiu, optando por meios fora do tradicional mercado de publicação para imprimir e distribuir a sua obra. Esse movimento de contracultura veio em resposta ao rigor acadêmico que imperava na produção literária e poética da época e também ao conservadorismo generalizado da sociedade em plena ditadura militar, propondo obras com temas rebeldes, de resistência, passando por temas eróticos, urbanos até assuntos cotidianos e comentários banais, buscando se comunicar com uma linguagem mais coloquial, focada na oralidade, contando com gírias, palavrões, muita acidez, críticas sociais e ao governo, algo inédito até então e do qual a poesia acadêmica procurava se distanciar.
A publicação independente burlava a censura. Eram feitas pequenas tiragens copiadas em mimeógrafos (que você deve se lembrar talvez não pelo nome, mas sim pelo cheio marcante de álcool quente copiando folhas de desenho e atividades nos primeiros anos de escola). Assim era feita a divulgação das produções “fora do sistema”, de boca em boca, por indicação e, principalmente, pelos esforços do escritor da obra. Muita da estética do poeta boêmio que conhecemos veio também dessa fase, onde os próprios poetas eram os responsáveis não somente por produzir, mas também por divulgar e vender as suas obras, geralmente em praças, bares, teatros, cinemas, universidades… locais onde as pessoas iam para se distrair e consumir cultura, em geral pessoas instruídas, universitários e integrantes de movimentos de libertação contra a opressão dos militares. Até os dias de hoje, andando pelo centro de São Paulo, encontramos muitos poetas independentes vendendo seus zines de poesia no esquema pague o quanto acha que vale, resquício precioso dessa época, sendo em geral obras pequenas e belíssimas.
Leminski e outros autores do período fizeram escola com seu jeito revolucionário de fazer poesia, seu jeito controverso de viver a vida e a luta pela liberdade que era pano de fundo em suas vivências e acabava se refletindo em seus versos.
Nesse choque de clássico X moderno, inovação X vanguarda, novo X velho, encontramos um embate que é, inclusive, bem atual: a arte apenas como um objeto estético, belo de se ver e que agrada aos sentidos pela aparência forma e conteúdo de um lado versus arte com significado, propósito de incomodar, causar reflexão e desconforto do outro lado, sendo uma real manifestação que tem o poder de te fazer pensar nas coisas de um outro ponto de vista. As artes se tornaram resistência à censura e a opressão uma vez que os artistas perceberam o valor subversivo que suas obras poderiam ter. Basta observar que em todas as ditaduras na história houveram atos de repressão e controle da produção artística, plástica, musical, literária e publicitária.
Essa ruptura esteve presente na poesia marginal e essas raízes dão frutos até os dias hoje, como podemos observar na cultura de poesia de rua, saraus, slams e até em batalhas de rima que produzem poemas de cunho mais social, crítico e ousado, falando em linguagem coloquial, gírias, usando palavrões e falando uma linguagem de rebeldia, exatamente como os primeiros poetas marginais faziam para se expressar contra as desigualdades da sua época.
Falei tudo isso principalmente porque o Paulo Leminski é a minha maior influência na poesia. Foi da fonte dele que eu bebi para encontrar meu estilo, meu jeito de versejar. Na minha poesia, gosto de experimentar diferentes pontos de vista para falar das coisas, desde pessoas que eu nunca serei até forças da natureza que eu nunca presenciei, só imagino como deva ser e é nesse espaço imaginado que eu existo enquanto poeta, que eu manifesto a minha voz, exploro várias nuances de um só pensamento. Na poesia, o personagem, o narrador dos versos, a voz poética, é o eu lírico. O eu lírico é um elemento do texto, algo que não existe no mundo real, uma abstração feita para aquele texto, o recurso literário atrás do qual o poeta se camufla enquanto escreve ou narra a sua poesia.
Termino esse texto com minha própria poesia sobre o assunto. Gosto de chamar esses poemas sobre escrever poemas de metapoemas.
existem necessidades da alma
que só um poema satisfaz,
é na união dos versos
que encontro a minha paz.
versejar o mundo o torna infinito.
só com versos explico o abismo
entre as 6h e as 6h05
Vê é incrível... Sou sua maior fã 😍😍😍😍
se sou incrível foi porque tive o melhor exemplo de todos 💜 te amo mais que tudo! obrigada pelo apoio