“Se almas gêmeas existem, elas não são encontradas, elas são feitas. As pessoas se encontram, elas têm um bom pressentimento, e então elas começam a trabalhar construindo um relacionamento.”
Essa é uma pergunta que me deixa desconfortável de muitas maneiras diferentes. Infelizmente, é também uma das perguntas mais frequentes que as pessoas fazem ao tarot.
“Vou encontrar minha alma gêmea nessa vida?”
“Minha alma gêmea está próxima?”
“Eu já conheci a conheci?”
“Fulano da Silva é minha alma gêmea?”
E por aí vai. Tento explicar que não é bem assim que funciona esse negócio de almas gêmeas e que não existem almas predestinadas a ficarem eternamente juntas, mas é algo tão complexo de se explicar para alguém com sede de respostas simples e imediatistas. Geralmente eu explico um pouco por cima do assunto e tento ajudar a pessoa a formular uma pergunta melhor sobre seus caminhos amorosos. Não posso negar que eu entendo a aflição, até simpatizo com ela. Algumas certezas ilusórias são difíceis de dissolver, ainda mais quando tanta coisa no nosso mundo – e, devo admitir, até dentro do meio esotérico – reforçam a ideia de que essas verdades podem ser encontradas com certeza a absoluta e quem não o faz não deve ser bom profissional.
É que existem coisas, como o amor, que não são tão preto no branco como se imagina. Nem sempre é uma questão de é ou não é, a maioria das coisas da vida não são assim.
Essa frase de The Good Place com a qual eu abri essa edição me marcou MUITO quando assisti a esse episódio. Eu fiquei por dias matutando a respeito dela, das suas implicações e, claro, relacionando às coisas que eu já sabia sobre o amor. Jamais que eu poderia deixar de fazer uma alusão ao tarot, afinal esse é disparado o assunto que eu mais vejo nas cartas. Aprendi algumas coisas valiosas sobre amor e relacionamentos aconselhando as outras pessoas e de longe a lição mais realista e precisa vem do Arcano VI.
A carta d’Os Enamorados imediatamente nos remete ao tema de relacionamento, o que não está totalmente errado, mas é de uma maneira que vai pra além do óbvio. Ela nos dá um outro ponto de vista sobre o amor, as relações românticas e as tais almas gêmeas.
Os Amantes não deixam de falar de amor, mas de uma forma bem menos glamorosa do que muitos imaginam, não é necessariamente da paixão certeira, de casamento a vista ou do relacionamento anunciado que ela fala.
Do meu ponto de vista, essa carta traz a forma mais bonita de ver os relacionamentos porque é crua e objetiva. Mais do que isso, é algo que faz sentido diante de um sentimento que nos torna irracionais de uma maneira que não deveríamos ser. Isso vem muito da forma como somos socializados para entender o amor e os relacionamentos. Cabe a nós desconstruir essa visão romantizada e quase mística que temos das relações românticas. Vamos à aulinha de tarot.
Essencialmente, essa carta nos fala sobre escolhas – decisões importantes que impactam profundamente nosso caminho, eliminando outras possibilidades que estavam em jogo e fechando algumas portas, anunciando a necessidade de uma decisão firme. E é algo que está demandando atenção, está precisando de um desfecho, uma conclusão.
O arcano nos lembra que dizer “sim” para uma coisa é dizer “não” a muitas outras. Escolher um determinado caminho é abrir mão de todos os outros. É como se o anjo estivesse mediando entre duas opções, dois destinos, dois caminhos distintos. Mas por que uma carta sobre decisões seria nomeada de Os Enamorados?
Em uma análise mais profunda, ela nos mostra que, acima de destino, caminhos, promessas, sinastria ou o que quer que seja, o amor precisa ser uma escolha consciente e constante. Nós romantizamos o amor como algo mágico, transcendental e eterno, maior que nossa própria existência. No entanto, se relacionar romanticamente faz parte da vida como todas as outras coisas. Amar uma pessoa é escolhê-la constantemente, enquanto essa escolha fizer sentido para vocês.
Você sabe que existem outras opções – e o seu par também. Não apenas pessoas para se relacionar, mas outros estilos de vida. Quem divide a vida com alguém, mesmo durante um namoro, faz certos ajustes e concessões para poder ter um espaço confortável para alguém ali, se dedica para alimentar essa relação. Você escolhe estar com alguém que também escolheu estar com você e aí a partir disso, vocês trabalham juntos para construir um namoro, nutrindo essa conexão ao se escolherem todos os dias, escolherem agir de modo a sustentar a relação e o sentimento, escolherem manter confortável e receptivo o espaço para aquela pessoa estar na sua vida.
Entretanto, o livre arbítrio ainda existe. Você ou seu par podem escolher terminar ou estar com outras pessoas a hora que bem entenderem e se engana muito quem pensa que estar num relacionamento mina completamente a atração que você pode sentir por terceiros. Quem nega isso está atolado em culpa cristã até o pescoço. O ponto chave é que mesmo consciente do seu livre arbítrio, mesmo cercado de tentações e outras possibilidades, você ainda escolhe estar com aquela pessoa.
O amor reside na decisão de permanecer com quem você ama, independentemente de qualquer fator externo. Se abster do que for necessário e com prazer, porque é em prol da nutrição da relação que você ama cultivar porque sabe que é especial. Sabe que a outra pessoa faz o mesmo por você e isso é muito mais precioso do que estar atada a alguém pela mágica do cosmos.
Amas gêmeas são construídas. O simples fato de amar alguém que te ama de volta, de se dispor a alguém que se dispõe na mesma medida, já torna essa conexão mágica e transcendental – sem nenhuma influência do destino, apenas o livre arbítrio permitindo que o amor flua entre duas pessoas que escolheram dividir aquele sentimento.
Amor é um misto de bancar a solidão com ter sorte, atravessado por um encanto com um outro que insiste.
(Ana Suy, A gente mira no amor e acerta na solidão)
A parte triste é que nem sempre dura pra sempre. Em seu Soneto da Fidelidade, Vinícius de Moraes acertou em cheio quando disse:
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Há quem diga que a única coisa que acaba com o amor é o próprio ser amado. Quando uma das partes não vê mais sentido em continuar escolhendo aquela pessoa, aquela vida a dois que vinha se construindo, por qualquer que seja o motivo, o amor vai murchando porque deixa de ser alimentado. Isso você já deve ter ouvido por aí: não é o sentimento que vai sustentar a relação e sim a forma de se relacionar que vai sustentar o sentimento.
Não importa o quanto você ame alguém: se as atitudes daquela pessoa tornam difícil de estar com ela, o amor vai se esvaindo com o tempo. Você pode tentar lutar contra, mas é a entropia agindo – é inevitável, todo desequilíbrio tende ao caos. A pessoa não está mais escolhendo agir de modo a nutrir a relação; pelo contrário, está retirando seu sustento, o que enfraquece a relação e, por consequência, o sentimento.
Eis algumas razões pelas quais o amor pode acabar:
A transição da paixão para o amor não se completar;
Uma parte do casal pode agir de modo a magoar o outro;
Pode ser que os caminhos se distanciem, as escolhas de vida de cada um os leve para lugares distintos;
Algum dia, um dos dois pode simplesmente não ver mais sentido em continuar escolhendo aquela pessoa, porque as pessoas mudam constantemente, isso é fato, e a qualquer momento pode não fazer mais sentido andar junto – isso se aplica à amizades também;
Pode ser que uma hora exista uma distância tão irremediável entre o casal que eles não conseguirão mais se encontrar.
Pode ser que chegue um ponto em que caminhar no ritmo do outro se torna desgastante e te desvia do caminho que você desejava estar seguindo, e o inverso também acontece. Nesse momento, é necessário que alguém ceda radicalmente ou que os caminhos se separem. Por vezes, vai fazer sentido escolher a relação, outras vezes vai fazer sentido escolher a si mesmo.
Quando algo assim acontece, o namoro vai lentamente parando de receber a atenção e a manutenção que precisa para continuar funcionando. Então a saída é deixar ir antes que aquele sentimento lindo vire mágoa. Sempre digo que quem mais aproveita a festa é aquela pessoa que sabe a hora de ir embora. São coisas da vida e nem sempre existe alguém para culpar.
O mais importante é que nada disso torna esse amor menos amor porque acabou, ou torna aquela pessoa menos especial por ter ido embora. O fim de um ciclo não o apaga da sua história e muitas vezes ele se encerra porque você já viveu tudo o que tinha para ser vivido ali. Insistir em permanecer nessa fase pode te impedir de evoluir, de ir ao encontro de coisas novas que vão fazer mais sentido para você.
Claro que falar isso é muito mais fácil do que vivenciar. Portanto, que o amor seja infinito, intenso, ardente, apaixonante e arrebatador enquanto durar, ou seja, enquanto fizer sentido permanecer escolhendo aquela pessoa e a vida que você tem com ela.
“Então quer dizer que não existe uma pessoa certa pra mim?”
É. Na verdade, existem várias. Você vai encontrar com algumas ao longo da sua vida e ter a chance de desenvolver algo com elas, outras passarão batido e outras não vão dar em nada. Pode ser que você encontre alguém assim e viva um bom tempo junto com essa pessoa, pode ser que não, que aconteça só um envolvimento passageiro e avassalador e fique por isso mesmo. Os filmes e romances nos vendem muito essa ideia de “pessoa certa”, quando na verdade a pessoa certa é aquela com a mesma disposição que você para fazer dar certo.
Mais bonito do que estar magicamente unida ao seu amor por um elo do destino, é, mesmo nesse mundo vasto e caótico, ser uma escolha constante na vida de alguém. Vou encerrar com Uma poesia rápida sobre amor, presente no meu livro O Mundo Por Trás dos Vulcões:
você duvida do meu amor
porque eu nunca te prometi nada disso
apenas te dediquei, sem condições
o meu sentimento mais lindo,
sem nem esperar nada em troca
porque pra mim, o amor é isso.não te faço promessas
porque não quero te amar por contrato,
quero te amar por completo
com a leveza de um pássaro
que é livre, mas sempre volta
porque sabe que é raro
ter um lar tão bonito
e ser sempre tão bem vindo,
e não porque se sente obrigado.o amor tem que ser escolha,
se não ele vira um fardo.
💡 Hints da vez:
📚 Uma história de amor encantadora e pé no chão que li alguns anos atrás é Amor de Puta, do Ricardo Daumas. Aqui o personagem transita por escolhas, é confrontado pelas próprias motivações e encontra paixão e acalento em colos que jamais havia imaginado. Recomendo a leitura.
🎶 A música mais triste e realista sobre términos que eu conheço é Trajetória da Maria Rita.
⚠️ Informes informais:
📝 Meu livro de poesias O Mundo Por Trás dos Vulcões está em processo de impressão ♥ A editora me deu o prazo aproximado de 30 dias entre impressão e transporte até o depósito deles. Em breve estará em mãos! Máxima empolgação por aqui.
ℹ️ Essa sexta temos Cartas do Submundo de carnaval, em edição fechada para os subscritores pagos ♥ Considere fazer o upgrade da sua assinatura!
💭 Nos vemos na próxima edição! Até lá, me conte tudo que você pensa:
Talvez a vida seja justamente sobre isso: a pessoa certa somos nós que construímos. Assim como as relações. "Ser uma escolha constante na vida de alguém".
Que texto lindo Carol! Caíram algumas lágrimas enquanto eu lia... Muito obrigado por isso ❤️🫶🏽🌻