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“Não queira que tudo aconteça como deseja. Deseje que tudo aconteça como deve acontecer, e terá serenidade” (Epíteto)
Nós nunca seremos realmente felizes nessa vida porque somos amaldiçoados com imaginação. A capacidade de pensar possibilidades e teorizar o que poderia ter sido nos rouba parcialmente do presente, seja para o futuro ou para o passado. Ao nos desconectarmos do agora, estamos nos prejudicando ao roubar nossa própria atenção para algo inútil.
Quando falo de algo inútil, me refiro ao fato de que se prender ao passado ou ao futuro é uma ação completamente infrutífera porque são coisas fora de alcance. Não vai te levar a nada gastar energia se sobrecarregando com isso.
O que temos sob o nosso controle é o agora e não aproveitar o máximo da nossa capacidade de viver e cultivar o hoje é o que nos prende nesse ciclo, porque ficamos deprimidos pensando no que poderíamos ter feito diferente e ansiosos, neuróticos em não cometer esse erro novamente no futuro. Ironicamente, por estarmos sempre ansiosos (hoje em dia se diz “estar com FOMO”, não é?), com medo de que nossas ações no presente não sejam suficientes para a posteridade, nos desesperamos tanto pra não pisar na bola que desprendemos de valiosa atenção e energia necessárias no presente, cometendo assim o erro do qual estamos tentando fugir. Muitas vezes encontramos o nosso destino justamente no caminho que escolhemos para tentar escapar dele.
Grande parte do que nos aflige enquanto seres humanos vem de dentro da nossa própria cabeça quando ela não está focada no agora, no que se desenrola na nossa frente e no que está ao alcance das nossas mãos. Aqui é impossível não citar minha experiência no tarot, já que esse é literalmente o ramo de prever o futuro e você pode até pensar que é uma certa hipocrisia da minha parte criticar essa atitude sendo que eu ganho dinheiro justamente para trazer spoilers do futuro das pessoas. De fato o faço, mas estudar as cartas e caminhos da vida abriu meus olhos para a importância de viver no presente, então busco em paralelo a isso fazer um trabalho de conscientização a respeito desse tema (até porque algumas pessoas chegam com uma ideia completamente delirante a respeito de previsões e cartomancia). Sempre que tenho a oportunidade, chamo a atenção das minhas consulentes para isso: o amanhã está nas sementes do hoje, não adianta viver querendo antecipar o futuro e se esquecer de construir ele com as suas próprias mãos no presente. Se preocupar é carregar o fardo de amanhã com a força de hoje. Isso não vai esvaziar o amanhã da sua tristeza, mas vai esvaziar o hoje da sua energia.
Da mesma forma que remoer o passado, ficar presa nele não vai mudar o que aconteceu. Imaginar desfechos diferentes, pensar em outras atitudes que poderiam ter sido tomadas ou evitadas, se prender em um emaranhado de “e se…” não te leva a lugar algum, vai apenas te prender em um ciclo vicioso de culpa, remorso e angústia. O que aconteceu, aconteceu. Pode ser clichê, mas todo dia é de fato uma nova chance de tentar de novo, nenhum erro precisa ser perpétuo. Essa é uma tarefa bem difícil para mentes ansiosas, e falo com propriedade porque mesmo consciente disso eu particularmente ainda tenho bastante dificuldade em viver um dia de cada vez, estou sempre muito pra trás ou muito pra frente, mas nas vezes em que eu acerto o meu timing e consigo estar no agora, é maravilhoso.
A nossa imaginação é uma benção e também uma maldição.
Nosso cérebro gosta de padrões e de coisas redondinhas, fechadinhas, cocluídinhas, perfeitinhas. Quando algo foge desse padrão e não temos todas as respostas, nossa tendência natural é inventar para preencher os buracos da realidade, que normalmente são as coisas que esquecemos, as coisas que não gostamos e as coisas que não aconteceram ainda. Nossa própria cabeça é responsável por criar expectativas nessas coisas que não aconteceram ainda e ela é muito boa em se prender à essas expectativas por dois motivos:
1. isso satisfaz a necessidade de desfecho que o nosso cérebro tem;
2. pensar demais numa situação a torna comum e familiar, nos acostumamos com aquilo e muitas vezes tomamos como verdade algo que só aconteceu na nossa cabeça.
Quando o que se desenrola no mundo real não é compatível com o que havíamos idealizado, isso nos causa profundo sofrimento. Enquanto pudermos e insistirmos em comparar a realidade que vivemos com as expectativas que criamos, jamais nos libertaremos desse ciclo de infelicidade e comparação, onde só sentimos que seremos felizes quando isso ou quando aquilo.
Agora a gente vai entrar numas brisas meio filosóficas falando dos meus dois pessimistas favoritos. Eu não sou nenhuma especialista em filosofia, apenas uma curiosa, então sintam-se à vontade para me corrigir e/ou complementar o que eu vou falar a respeito.
Por esses tempos anda rolando bastante nas redes sociais memes com aquela frase de Schopenhauer sobre a ânsia de ter e o tédio de possuir. Quando a gente para pra pensar, esse é exatamente o motivo pelo qual estamos constantemente perseguindo a felicidade, a realização e os pontos altos sem nunca chegar em lugar algum. Nos tornamos reféns da felicidade que esperamos sentir ao invés de prestar atenção na felicidade que já existe ao nosso redor e em como cultivar ela para que cresça e se perpetue. Troque felicidade por qualquer coisa cuja ausência pode nos causar sofrimento:
Reféns do amor romântico idealizado que esperamos que sintam por nós ao invés de cultivar o amor próprio e celebrar o amor fraternal das nossas amizades;
Reféns do queremos fazer e para onde queremos ir quando tivermos um carro ao invés de descobrir lugares legais que podemos chegar a pé ou de transporte público;
Reféns de todas as coisas que queremos comprar e/ou consumir no dia que tivermos tempo, dinheiro e disposição para tal ao invés de buscar realizar as pequenas coisas que estão ao nosso alcance;
Reféns das condições perfeitas para fazer tal coisa, ir para tal lugar, voltar a falar com aquela pessoa;
Reféns da felicidade que vamos sentir quando aquilo se concretizar;
Reféns do projeto que vamos conseguir começar quando as condições forem ideais para isso…
Somos reféns de tudo que idealizamos.
Aqui caímos em outro ponto importante: toda essa ânsia gira em torno da necessidade de estar vivendo o resultado. Isso nos faz deixar de lado todo o processo necessário para construir um ambiente em que esse resultado possa acontecer, florescer e prosperar. Fuga do presente. Você não sai jogando sementes de flores em qualquer canto, de qualquer jeito e espera que elas cresçam, não é? Como querer que algo floresça sem o preparo necessário do solo e todos os cuidados para que aquela planta possa germinar e dar frutos de forma saudável e espontânea?
Todo mundo quer chegar nos finalmentes, mas ninguém quer passar pelo processo. Todo mundo almeja um mundo melhor, mas ninguém quer ter o trabalho de lutar para construí-lo. Todo mundo quer ser amado por alguém, mas não quer aprender a amar primeiro.
O tédio de possuir vem quando porventura chegamos lá. Quando conseguimos o que queremos, podem acontecer duas coisas:
a) Você se inunda de alegria e de um sentimento intenso de realização, que dura por uns dez segundos. Consegui! Eba! E acabou.
b) Você se inunda de frustração e decepção por possivelmente não estar se sentindo como você havia imaginado que se sentiria ao atingir aquela conquista. Então era só isso?
Ao não participarmos ativamente e com gosto do processo de construção daquele momento, ele se torna vazio quando se realiza. Estar realmente presente na sua própria vida é cultivar esse regozijo em cada etapa da jornada e idealizar o mínimo possível o resultado, aproveitando as coisas na forma em que elas chegam e fazer o melhor possível com o que temos. Paremos de colocar expectativa em tudo, idealizar que só vamos ser felizes quando as coisas forem de um jeito xis e amemos elas como são agora, cultivemos isso.
Quem falou algo mais ou menos parecido com isso foi Nietzsche.
“Quero aprender cada vez mais a ver como belo o que é necessário nas coisas; então serei um daqueles que fazem belas as coisas. Amor fati: seja este, de agora em diante, o meu amor!” (Ecce Homo, 1888)
Amor Fati é uma proposição que nos convida a aceitar as coisas como são. Em tradução do latim, significa “amor ao próprio destino” e basicamente quer dizer o seguinte:
O que aconteceu, aconteceu e nada que você faça agora vai mudar isso, nada que você aprenda ou descubra vai alterar o passado e te colocar no caminho ideal que você só conseguiu enxergar depois de ter quebrado a cara. E tudo bem. Você evita uma grande parte do sofrimento quando se desprende da ideia de controle e aceita que o que passou, passou. O que você tem em mãos é o que vem daqui pra frente e de nada vai servir ficar se lamentando ou remoendo o passado, desejando que as coisas tivessem sido diferentes.
Quase todo sofrimento vem da quebra de expectativa da realização, da não aceitação dos fatos e da recusa em viver as coisas como são. A tal ânsia de ter cria esse monstrinho cruel dentro da gente: ficamos presos na ideia de conseguir o que queremos, dominados por essa fome e muitas vezes isso nos cega para o nosso papel naquilo, para a jornada, que também é a estruturação desse espaço de realização e plenitude que queremos atingir. O problema é justamente esse, estamos tão preocupados em estar lá que não damos atenção para o chegar lá, o caminho que trilhamos e a forma como construímos as coisas da forma que queremos.
Mesmo quando não conseguimos o resultado esperado, conseguimos encontrar paz ao sentir que fizemos tudo ao nosso alcance e nos dedicamos integralmente durante o caminho e isso só é possível quando estamos presentes no agora. Muitas pessoas chegam na minha mesa para jogar tarot preocupadas em, por exemplo, encontrar O Grande Amor, mas não se preocupam em pensar se elas estão prontas para viver O Grande Amor, se elas estão bem, disponíveis e se há espaço na vida delas para isso no momento. Querem viver aquilo a qualquer custo e muitas vezes caem em ciladas por estarem olhando muito lá na frente ao invés de se preocuparem com o caminho que estão trilhando para chegar lá.
O Amor Fati vem como superação desse ciclo de expectativa e sofrimento. Faça o seu melhor e abrace o que vier com isso ao invés de se lamentar pelo que poderia ter sido. Veja bem, não estou dizendo que é algo fácil de se fazer, mas é uma forma mais leve de viver, encarando essas quebras de expectativa como um convite para a reinvenção, para recalcular a rota. Não dá pra escapar do sofrimento, mas é possível viver sem se acorrentar à ele.
O que vejo de mais recorrente nos meus jogos de tarot é justamente o sofrimento pelo sofrimento, as pessoas antecipando algo que não aconteceu ainda como se ao estar “preparada” para viver aquilo, fosse doer menos ao acontecer quando na realidade, a pessoa está é sofrendo duas vezes. Como é de se esperar, a área onde essa aflição é a mais recorrente é a dos relacionamentos.
Por exemplo, para Schopenhauer amar alguém é estar condenado ao sofrimento de perder essa pessoa mais cedo ou mais tarde, ou se decepcionar com ela. Ele vem antecipando um sofrimento que pode ser que nem aconteça.
Para Nietzsche, amar alguém é apenas amar agora. Mesmo com a possibilidade de perdê-la ou se decepcionar com ela, esse amor abraça todas as coisas que essa relação tem para proporcionar enquanto ainda está acontecendo e ao se permitir se reinventar sem culpa após o término, você vive esse amor plenamente e em liberdade.
A maioria das pessoas é condicionada a viver o primeiro tipo de relação e até ouso dizer que não sabem amar de verdade porque limitam sua ideia de amor ao “para sempre”, quando na prática amar alguém é estar pronto para perder a pessoa a qualquer momento e amar mesmo assim, se doar para a relação mesmo assim porque o que pode vir a acontecer amanhã não muda o que pode ser vivido de lindo hoje. Falo um pouco sobre as idealizações do amor nesse texto aqui, recomendo dar uma lida:
Tudo que você precisa saber sobre almas gêmeas
“Se almas gêmeas existem, elas não são encontradas, elas são feitas. As pessoas se encontram, elas têm um bom pressentimento, e então elas começam a trabalhar construindo um relacionamento.”
Tentar controlar tudo o tempo todo não é o que vai te livrar do sofrimento, apenas vai te roubar do presente e te impedir de desfrutar ao máximo do que já é uma realidade. O grande segredo é que nada vai te livrar do sofrimento, mas sofrer por antecedência é uma escolha consciente. É um caminho que se pode evitar. As pessoas são como são e as coisas acontecem da forma que acontecem, no meio disso tudo você só tem domínio sobre si mesmo, para onde você direciona sua atenção e o que escolhe fazer com a sua energia.
Acredite em mim quando eu digo que Amor Fati vai te poupar de muita dor de cabeça e estar em paz com o que você pode fazer agora é a chave para se esquivar de muitos arrependimentos futuros.
“Ah, mas se eu soubesse…” você não tinha como saber o que sabe agora. Aceite e siga.
Como de costume, vamos encerrar com poesia?
SÓ O DURANTE DURA
a desculpa mais fajuta
que a gente usa
pra se acalmar quando
perdemos e deixamos passar
é também uma grande mentira.
como assim você era uma pessoa feliz
e nem sabia?quem é que nunca sofreu
pra poder ser feliz sem saber?
lamentar depois que perdeu
não vai te fazer reaver.
o "agora" passa sua mensagem
te afundando no imediato
a única coisa
que existe de fato.porque ontem é uma ilusão
amanhã, um grande sonho
tudo que temos é esse ponto
em que estamos
e perdemos tanto tempo
desejando
ter feito diferente,
ter dito outra coisa,
por 5 segundos queríamos
não ser a gente.e sempre vamos nos adiantando,
colocando o amanhã
como algo urgente.
ele, que nem existe ainda,
ocupa que degrau na escada
de prioridades da tua vida?
⚠️ Informes informais:
📝 Esse último poeminha aí (e o primeiro também!) veio do meu livro, O Mundo Por Trás do Vulcões. Caso se interesse, você encontra mais informações a respeito da obra e de onde adquirir seu exemplar clicando aqui!
💭 Nos vemos na próxima edição! Até lá, me conte tudo que você pensa: